20 de agosto de 2009

Ortorexia Nervosa


Quando a dieta vira doença

A avalanche de informações confusas sobre nutrição complicou o ato de comer. Como saber se sua busca por alimentação saudável já é obsessão

Era para ser um jantar de bom relacionamento na casa de um diretor da empresa. Quando apertou a campainha, o engenheiro Orlando Marcondes Machado Filho esperava desfrutar um belo prato, um ótimo vinho e boas risadas na companhia da mulher, Crucita, e de outros dois casais. Todos salivaram quando o bacalhau chegou à mesa. Todos, menos Crucita. “Minha mente estava cheia de aflições”, diz ela. Em silêncio, a bioquímica se perguntava:
Será que usaram azeite extravirgem?
De onde veio esse peixe?
Que tipo de conservante foi usado nos condimentos?
A cenoura é orgânica?
Xi, não tem arroz integral
“Ficava pensando nas coisas invisíveis que fugiam ao meu controle e poderiam não ser saudáveis”, diz Crucita. “Enquanto eles tinham prazer, eu só sentia repulsa.” Por consideração ao marido, ensaiou a primeira garfada. Não chegou à segunda. Os anfitriões perceberam. Orlando não conseguiu esconder o constrangimento. O encontro acabou mais cedo.
O mesmo poderia ter acontecido ao casamento, tantas foram as brigas provocadas pela extrema preocupação de Crucita, de 46 anos, com o que a família coloca no prato. Esse distúrbio de comportamento tem nome: ortorexia nervosa. O termo é um neologismo baseado no idioma grego. Orthós significa correto e oréxis quer dizer apetite. A ortorexia foi descrita pela primeira vez em 1997 pelo médico americano Steven Bratman, autor do livro Health food junkies (algo como Viciados em comida saudável). A ortorexia ainda não é classificada como um transtorno psiquiátrico, como a bulimia e a anorexia (caracterizadas pelo medo excessivo de engordar). Mas é possível que isso ocorra em breve.
A grande preocupação do ortoréxico não é o peso. O que o apavora é ingerir alimentos que façam mal à saúde. Ele busca a garantia de que está livre de impurezas e de que vai conseguir evitar o aparecimento de doenças. Para isso, confere rótulos e os supostos benefícios de cada produto. Preocupa-se com a origem dos alimentos e raramente come fora de casa. Segue regras alimentares rígidas e, na maioria das vezes, baseadas em conceitos equivocados sobre o que seja de fato uma dieta saudável. Prefere não comer a ingerir qualquer coisa que julgue incorreta. O resultado, na maioria das vezes, é a magreza e a falta de nutrientes essenciais.
No começo, pode parecer esquisitice ou apenas uma escolha de vida, como a dos vegetarianos e dos macrobióticos. Com o tempo, porém, a extrema preocupação com a dieta prejudica outras áreas da vida. O sujeito se torna o chato inflexível, um estorvo nos eventos sociais, um problema para a família. E a maioria dos ortoréxicos não percebe. Ao contrário, acha que tem uma alimentação exemplar e tenta converter quem está por perto.
Crucita só se convenceu de seu radicalismo quando procurou uma nutróloga na expectativa de melhorar ainda mais a dieta que julgava adequada. A médica Daniela Hueb, que mantém um consultório em Bauru, no interior paulista, notou que a busca por saúde tinha virado doença. “Muita gente é ortoréxica e não sabe. Quem sabe resiste a procurar ajuda.”
As tantas restrições alimentares seguidas por Crucita durante anos provocaram danos físicos e emocionais. A carência de proteínas, cálcio, carboidratos e outras vitaminas provocou anemia, queda de cabelo, depressão e osteopenia (a fase precursora da osteoporose). Ela foi encaminhada a um psiquiatra e atualmente se trata com antidepressivo e ansiolítico. Ainda prefere alimentos orgânicos, leite sem conservantes, queijo branco, sucos naturais e consumir carne só de vez em quando. Mas tenta não ser radical. “Melhorei, mas o problema não desaparece de uma hora para outra.”
Como diferenciar a obsessão doentia do zelo alimentar que faz bem à saúde? Bratman sugere alguns sinais patológicos: gastar mais de três horas do dia pensando em alimentos saudáveis; preocupar-se mais com a qualidade da comida do que com o prazer em comê-la; julgar-se superior aos que não seguem a mesma dieta. Você reconhece essas pistas? O pensamento ortoréxico anda tão disseminado que é possível perceber indícios dele no trabalho, na academia, na família.


REVISTA ÉPOCA, 24 jul, 2009. Disponível em: < http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI84225-15257,00-QUANDO+A+DIETA+VIRA+DOENCA.html > Acesso em 20 agosto 2009.